domingo, 26 de dezembro de 2021

[0081] 2.º texto de Joaquim Saial no jornal cultural "As Artes Entre as Letras" (Porto), de 27.10.2021



A estátua de D. Afonso Henriques, oferecida pelo distrito do Porto a Lisboa

Joaquim Saial

A ideia de uma estátua de D. Afonso Henriques para Lisboa veio de António de Oliveira Salazar, nos primeiros dias do seu longo consulado, em 1933. Em 13 de janeiro, Águedo de Oliveira, subsecretário de Estado das Finanças, instalou a comissão encarregada de fazer os estudos e preparar a base do concurso para o monumento. Compunham-na (sem escultor), para além do pintor António Soares e do arquiteto Cristino da Silva, do então vice-almirante Gago Coutinho, gustavo Matos Sequeira, Joaquim Leitão, Joaquim Manso, José de Figueiredo, Júlio Dantas e Reynaldo dos Santos. Refira-se, a curiosa filosofia subjacente à produção da estátua, então divulgada por Águedo de Oliveira: "Em breve, Lisboa, graças ao extenso estudo de si, terá um monumento ao auge dos créditos à sua disposição e ao formidável trabalho de ressurgimento em que estamos empenhados, todos bons portugueses. (...) Além destas razões (...), erguendo o monumento, pretende-se ajudar o problema do desemprego e é colocado no seu verdadeiro pé, o das relações da arte com o Estado." Júlio Dantas, que se inclinou para baixo da colina do castelo de São Jorge como local da implantação do memorial ao primeiro rei, também usou a palavra na cerimónia de tomada de posse da Comissão, sugerindo que os "edifícios do século XVII superjacentes às paredes" deveriam ser demolidos e reintegrados as "ruínas antigas, talvez parcialmente mascaradas por estas más construções". É certo que, embora o Coronel Pais Mamede ainda se refira a ele na "Ilustração" de 16 de fevereiro, bem como na portaria que em 21 de dezembro de 1935 criou a comissão do monumento falhado a Mouzinho de Albuquerque a Lisboa, este "D. Afonso Henriques" foi esquecido.

Cerca de dez anos depois, a 6 de agosto de 1945, o "Diário Popular" ecoou leitores que sentiam que uma estátua deveria ser erguida ao Rei Fundador durante as festas da cidade de 1947, quando seria celebrada a 800a do "seu" da tomada de posse da cidade aos mouros. Esta estátua – que será a razão de um futuro artigo nesta coluna – da mão de Leopoldo de Almeida, bem como de outra de D. João I da mesma autoria, foram colocadas em 31 de dezembro de 1952 em nichos existentes no átrio do Edifício dos Paços do Concelho de Lisboa e foram quebrados até ao incêndio de 1996. A 31 de agosto e agosto de 1997, foram reabertos num novo local, no topo do Campo Grande (Jardim Mário Soares), em frente ao Museu da Cidade, mais ou menos onde estava uma estátua do Presidente da República, Óscar Carmona.

Agora, voltando a 1947, o "Diário Popular" foi anunciado no "Diário Popular" de 7 de outubro, para a manhã do dia 25, uma paragem com 10.000 homens na Avenida da Liberdade e que à tarde seria inaugurada no castelo de São Jorge a estátua de D. Afonso Henriques, réplica da modelada por Soares do Reis (1847, V. V. N. Gaia), oferta do Distrito do Porto para a cidade de Lisboa. A ideia veio do governador civil do norte, coronel Joviano Lopes, e foi implementada por assinatura pública [1]. Aos 15 anos, dizia-se que na noite anterior ao desmantelamento da estátua (supostamente a fundidora) e que ela e os blocos de pedra do pedestal tinham sido embalados em quatro camiões militares que paravam em Leiria, para continuar no dia seguinte até Lisboa ,onde afinal chegaram depois de uma viagem "a marcha reduzida e muito cautelosa" na manhã do dia 18, nessa altura começaram a ser montados [3]. Apesar dos cuidados que ocorreram, a espada acabou por se partir, mas foi imediatamente reparada. A receber a peça estiveram três vereadores nomeados pelo presidente da câmara: major Reis, António Maria Pereira e Francisco Marques [4]. O trabalho de colocação foi dirigido por arq. Vaz Martins e o agente técnico Alberto Correia, da Direção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais. A obra também fez parte da obra, a eng. Almeida Garret e o construtor civil José de Sousa Camarinhas. As fundações sobre as quais a montagem é lançada têm 5,30 m de profundidade por 4m de diâmetro.

Entre as muitas individualidades presentes na inauguração, incluindo o Chefe de Estado, destaca-se a Delegação do Porto, constituída pelo Presidente da Câmara, Prof. Luís de Pina, pelo governador civil Joviano Lopes, bispo do Porto, comandante-geral da 1ª Região Militar, presidente da comissão distrital da União Nacional, 17 autarcas do distrito, 15 presidentes das juntas de freguesia do concelho do Porto, delegações da Juventude Portuguesa para homens e mulheres e diretores dos jornais diários da Invicta.

Finalmente, podemos dizer que quando no dia 25 de outubro de 1947, o bronze de D. Afonso Henriques, réplica de Guimarães, o distrito do Porto e a sua cidade não só ofereceu a Lisboa uma excelente escultura (embora do século XVIII...), mas de uma forma enterrada para sempre a ideia destrambelhada de Júlio Dantas para colocar uma homenagem ao rei primitivo na encosta do castelo, com consequente destruição de casa velha. Caso para dizer que aqui havia um bem que veio mesmo... para sempre. E isto deve ter parecido igualmente àqueles que naquela noite, entre 22 e 24 horas, viram a luz formada pelos 35 projetores militares que de Almada e do Alto Duque iluminaram o castelo e a estátua daquele que o conquistou dos sarracenos.

[1] de Lisboa", 25.10.1947, p. 7.

[2] "Diário Popular", 15.10.1947, p. 7.

[3] "Diário Popular", 18.10.1947, p. 1. Aqui, dizia-se que a estátua tinha sido transportada em seis camiões...

[4] "Diário Popular", 16.10.1947, p. 1.

Presidente Óscar Carmona, durante
a inauguração Foto Judah Benoliel

Presidente Óscar Carmona, durante a inauguração 
Foto Judah Benoliel


Foto Joaquim Saial
 
Foto Joaquim Saial

Foto Joaquim Saial

Foto Joaquim Saial

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